A economia diversificada e o desafio de mitigar a miséria

Alimentos, construção civil, comércio, serviços. Lajeado oferta muita mão de obra. Atrai pessoas de todo lado em busca de novas oportunidades. E aqui, encontram. Ao mesmo tempo, a cidade polo do Vale do Taquari vê crescer os seus próprios guetos de miséria. E o desafio é frear os novos núcleos de pobreza que paradoxalmente criam o “Nós” e o “Eles” e depõem contra o desenvolvimento ordenado de quem tem como meta ser uma cidade inteligente e inclusiva

No início da década passada, a principal cidade do Vale do Taquari possuía 71,4 mil habitantes. Onze anos depois, concentra uma população superior a 85 mil pessoas. Uma média de 1,2 mil novos moradores a cada ano. O número é fruto da diversificada gama de ofertas de emprego, e também de toda a infraestrutura oferecida aos lajeadenses pelas iniciativas pública e privada. Universidade, hospital referência, parques, boa gastronomia e pleno emprego garantem bons índices de qualidade de vida. Por outro lado, a alta demanda também gera novos desafios para o combate à pobreza.

O município que possui cinco indústrias do setor de alimentos entre as 10 empresas com maior retorno de Valor Adicionado Fiscal (VAF) começa 2021 com um orçamento superior a R$ 360 milhões. Em função da pandemia, é um número inferior ao valor arrecadado em 2020: R$ 387,5 milhões. Mesmo com a queda, a cidade registrou saldos positivos no balanço de empregos, novas empresas e também novos microempreendedores individuais (MEIs). “No ano passado, a proporção de crescimento foi menor em relação a 2019. Mas, devido a todo o contexto da pandemia, não podemos reclamar”, resume o secretário de Desenvolvimento Econômico, André Bücker.

Sobre os empregos, e conforme dados compilados até novembro de 2020, foram 13.122 admissões contra 12.294 demissões no ano passado. O saldo de 828 empregos foi puxado principalmente pelos setores da Indústria e do Comércio, que registraram variações positivas de 589 e 380, respectivamente. Por outro lado, o saldo entre janeiro e novembro do ano marcado pela pandemia foi negativo para os setores de Serviços (menos 120 vagas), Construção civil (menos 12 vagas) e Agropecuário (menos nove vagas). Ainda de acordo com os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), Lajeado possui 33,1 mil trabalhadores registrados.

Em relação às empresas e microempreendedores, os números do ano passado são menos atraentes se comparados com 2019. O balanço de 2020 demonstra, entre novas empresas e baixas de CNPJ, um saldo positivo de 452. Há dois anos, porém, o saldo positivo foi de 474. Por outro lado, houve aumento no número de novos MEIs. Em 2019, o saldo foi de 731. Em 2020, chegou a 949. “São números bem altos, sim. Mas não é o ideal. Queremos ver crescer ainda mais o número de empresas, e este número cresceu menos em relação a 2019”, comenta Bücker.

Cidade menos “bairrista”

O secretário comenta sobre a alta demanda de novos trabalhadores a cada ano. Para ele, a cidade  possui uma conjunção de fatores que a tornam um bom lugar para morar e investir. “O município possui uma boa logística. Estamos bem localizados no estado, e com bons acessos para receber e enviar produtos. Também possuímos um ‘mix’ de comércio e serviços muito forte, e que atrai cada vez mais novos investidores. Outro diferencial é a nossa indústria forte, principalmente na área dos alimentos. Aliado a outras indústrias, a nossa renda per capita está acima da média estadual, o que garante uma comunidade com um interessante poder de consumo”, afirma.

Ainda de acordo com Bücker, a administração municipal garante um bom ambiente para novos empreendedores. Digitalização e desburocratização de processos de abertura de empresas, por exemplo, são alguns cases aplicados nos últimos anos na prefeitura municipal. “O Poder Público recebe bem os novos moradores e investidores. Além do bom ambiente físico, a cidade possui um bom ecossistema para a abertura de novas empresas. É rápido para investir em Lajeado. Somos uma cidade que busca novas tecnologias e inovações e, para isso, procura fortalecer as parcerias com universidade e empresas privadas. Somos uma cidade menos ‘bairrista’ e com boa mão de obra.”

Presidente da Associação Comercial e Industrial de Lajeado (Acil), Cristian Bergesch também elogia o “mix” verificado na economia e na sociedade lajeadense. “O que nos torna uma cidade boa para investimentos é o nosso patrimônio cultural. É a herança trabalhadora dos primeiros imigrantes, misturada com a pluralidade e diversidade cultural que esses milhares de novos imigrantes mais recentes trouxeram. Isso tudo forma um caldeirão que vem nos colocando como uma cidade mais inovadora em relação a outros municípios. Nossa sociedade tem tomado à frente em alguns aspectos. Isso resulta em uma região boa para morar e investir”, salienta.

O lado mais frágil

Com o aumento da população, os problemas sociais se tornam cada vez mais latentes nos grandes centros urbanos. Não é diferente em Lajeado. O orçamento anual para prestação de serviços e oferta de benefícios socioassistenciais executados diretamente pelo órgão gestor e respectivos equipamentos é de aproximadamente R$ 10 milhões. Assistente Social há mais de duas décadas e atual secretária de Assistência Social do município, Céci Gerlach alerta para o lado mais frágil da sociedade. “As oportunidades existem, e virão. Mas também passarão. E acredito que só poderá agarrar a oportunidade aquele que ‘casar’ sorte com atitudes, determinação e proatividade.”

De acordo com o Cadastro Único – ferramenta que permite o acesso de pessoas e famílias a atendimento e concessão de benefícios e serviços –, o município tem cerca de 5,5 mil famílias cadastradas (dados de outubro de 2020). Dessas, 1.554 estavam em situação de extrema pobreza (renda até R$ 89,00) e 398 em situação de pobreza (renda de R$ 89 a R$ 178). Os dados representavam mais de 6,5 mil pessoas nessas condições. E a maior parte vive em bairros distantes do centro, como Santo Antônio, Jardim do Cedro, Nações, Morro 25 e Conservas.

São nessas localidades que se concentram uma série de problemas. Carência no viés da infraestrutura, englobando as más condições habitacionais, apropriações indevidas de áreas públicas, baixa escolaridade, mão de obra pouco qualificada, entre outras carências. E embora os índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e de Desenvolvimento Socioeconômico (IDESE) coloquem Lajeado como acima da média estadual em termos de qualidade de vida e desenvolvimento humano, os chamados “bolsões de pobreza” tendem a aumentar com os reflexos da pandemia.

Fernanda Cristina Wiebusch Sindelar é graduada em Ciências Econômicas, com Mestrado em Economia do Desenvolvimento e Doutorado em Ambiente e Desenvolvimento. Sobre os índices de pobreza em Lajeado, alerta para as fragilidades no setor educacional. “Para encontrarmos um equilíbrio em termos de desenvolvimento humano, precisamos melhorar a escolaridade da população, especialmente mantendo os jovens com mais de 10 anos na escola e melhorando o rendimento do desempenho escolar”, afirma.

Ela também reforça a necessidade de maior atenção com a demanda de novos trabalhadores. “Atraímos pessoas de outras regiões, mas não estamos conseguindo utilizar toda a mão de obra regional”, alerta. “E na medida que Lajeado cresceu, atraiu os olhares de pessoas de outras regiões que vieram para cá, sem ter a certeza de empregos. E na medida que esses não conseguem vagas, acabam contribuindo para o aumento da pobreza.” Sobre isso, Fernanda fala sobre o problema da informalidade. “São pessoas de baixa renda que precisam contribuir com o sustento da família. Geralmente, com baixa escolaridade. É um ‘trade off’. Quem está na escola não pode trabalhar, e vice-versa, ou pelo menos não consegue se dedicar como deveria para as duas atividades.

Por fim, fala sobre os imigrantes, principalmente os haitianos e senegaleses. “No início eles vinham e ajudavam a suprir a falta de mão de obra regional. No entanto, desde que a economia brasileira começou a apresentar sinais de recessão e baixo crescimento (meados de 2014), aumentou a taxa de desemprego regional e hoje temos uma grande oferta de mão de obra, o que acaba contribuindo para a redução do salário médio. Temos mais oferta, menos poder de barganha para aumentos de salários. Além disso, eles vêm em busca de melhores oportunidades de renda, em comparação aos seus países de origem. No entanto, a atual desvalorização do real não tem contribuído para isso, porque na hora de enviar o dinheiro para o país de origem isso representa pouco.”

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