Inovação X Conservadorismo: os desafios para uma cidade sustentável

Inovação X Conservadorismo: os desafios para uma cidade sustentável

Lajeado tem um plano voltado para o futuro. A chamada quadrupla hélice, formada pelo poder público, empresas privadas, universidade e sociedade civil, deu início ao Pro_Move Lajeado, que completa dois anos em março. É um movimento promissor, mas que precisa se consolidar e adentrar para todas as camadas sociais, criando um ecossistema de inovação que favoreça o desenvolvimento sustentável e ordenado. Para isso, o desafio é deixar de lado o conservadorismo exagerado e incorporar um modelo mental mais orientado aos negócios da era digital.

Uma “cidade inteligente” possui um ecossistema caracterizado pelo uso consciente e inovador de novas tecnologias e soluções para a gestão dos recursos e da infraestrutura urbana tradicional. A inovação também surge como uma forma de visualizar o futuro de diferentes dimensões: governança, mobilidade, meio ambiente, qualidade de vida, saneamento básico, economia e pessoas. Para isso, a junção de diferentes atores do governo, sociedade civil, iniciativa privada e academia surge como o melhor caminho.

Lajeado aposta neste modelo. Desde 2017, um grupo de agentes da chamada “quadrupla hélice” trabalho para a consolidação do movi – mento Pro_Move Lajeado. Prefeitura, Univates – com o Parque Tecnológico –, entidades e sociedade civis e empresários criaram grupos e temáticas para levar inovação aos principais eixos de desenvolvimento da cidade: Alimentos, Saúde, Tecnologia da Informação e Comunicação e Automação. O movimento foi lançado oficialmente em março de 2019.

Um dos protagonistas do Pro_Move Lajeado, o consultor de empresas Albano Mayer fala sobre esses quase dois anos do movimento lajeadense. Os avanços e os entraves. “A primeira e principal dificuldade é que não estamos preparados culturalmente para a inovação. Ainda somos uma sociedade do empreendedor imediatista, que imagina a riqueza rápida. Por outro lado, o fato de sermos uma sociedade muito empreendedora é um facilitador. Aqui, as pessoas querem investir, aprender e trabalhar.

Outro conflito citado pelo consultor é o excesso de paradigmas. “Somos ‘cintura dura’”, brinca. “Ainda temos paradigmas muito consolidados, e defendemos arduamente algumas ideias que se tornam dogmas, convicções que atrapalham a evolução da nossa cultura inovadora. Ainda temos protecionismos naturais na sociedade. Como exemplos, a briga entre “Táxi e Uber”, a “TV aberta” contra a “TV fechada”, e os próprios processos de venda pela internet, que ainda são tabus em parte da sociedade. São muitos dogmas criados que nos atrapalham.”

Diretor de uma empresa de Marketing, Design e Multimídia, Elifas de Vargas atua faz 10 anos na área e atesta: é necessária uma mudança de paradigma. “Há dois anos, quando propus a um cliente a utilização de ferramentas de videoconferência, o mesmo foi relutante quanto a essa tecnologia. Em março de 2020, ele percebeu que o digital tinha um peso enorme e impactante”, exemplifica.

Ex-secretário municipal de Planejamento de Lajeado, Rafael Zanatta é um dos coordenadores do espaço Vibee Unimed, um hub de inovação criado em 2020 para acelerar startups na área da saúde, especialmente. Ele também integrou os primeiros grupos de apoiadores e voluntários do Pro_Move Lajeado. “Temos uma diversidade de empresas e setores que tornam possível vali – dar vários negócios. Também temos uma classe empresarial que aos poucos começa a olhar para inovação como algo necessário para manter os seus negócios”, aposta.

Por outro lado, Zanatta alerta para alguns limitadores. “O que nos trava em determina – dos momentos é achar que as empresas criadas podem atuar apenas no nosso Vale do Taquari. Dessa forma, ficam se dividindo e não buscam outros mercados”, ressalta.

Inovação X Conservadorismo: os desafios para uma cidade sustentável

“Fuga de cérebros”

Diretora administrativa do Parque Científico e Tecnológico do Vale do Taquari (Tecnovates/ Univates), Simone Stülp relembra que a busca pela inovação é antiga na cidade. Ela cita a criação do Polo de Modernização Tecnológica, na década de 80, a criação da Incubadora Tecnológica, em 2003, em uma parceria entre Univates e governo municipal, e mais recentemente a própria materialização do Tecnovates e o surgimento de espaços e hubs em ambientes privados.

“O Tecnovates nasce calcado no conceito da ‘tríplice hélice’, sendo que em seu Comitê Gestor temos importantes contribuições de nossa gente de Lajeado. E, claro, é necessário mencionar o Pro_Move Lajeado, que está fazendo a diferença e, inclusive, tem contribuído de maneira fundamental neste momento de pandemia. Ainda temos em nossa cidade uma Lei de Inovação, um Conselho Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação instituído e atuante, além da Lei ‘Rota da Inovação’”, especifica.

Entretanto, Simone alerta para a chamada “fuga de cérebros”. “São muitos estudantes e profissionais que buscam oportunidades em centros mais contemporâneos. Temos que avançar na consolidação da cultura da inovação em nossas empresas e indústrias. Já avançou, mas não está completamente difundida. Temos que aceitar que o binômio ‘Inovação e Educação’ é indissociável, e bons projetos também precisam ser colocados em prática nas escolas”.

Coragem para ser disruptivo

O consultor de empresas Fernando Röhsig diz que as maiores empresas devem liderar o processo de inovação. “Se as maiores organizações tiverem medo de inovar e de correr riscos, de errar e sem capacidade de corrigir rápido na busca do novo, serão substituídas por novos players. A inovação exige coragem.”

Röhsig chama a atenção para dois modelos de inovação. “A transformacional é disruptiva, estratégica e de longo prazo. Muda status quo e exige capital para investimento de prazos superiores a cinco, sete anos. Essa coragem é para poucos, pois o medo de errar faz parte da cultura de quem tem medo de sair do topo de administração e pedir ajuda. Já a inovação incremental, de curto prazo, de até dois anos de duração, que busca incrementar a receita e reduzir o custo, essa sim pode ser direcionada ao nível executivo, mas não leva ao novo, ao disruptivo”, salienta.

Para o consultor, esse modelo mental trava os proprietários. “Reconhecer fragilidades não faz parte do comando, do orgulho de manter o poder por gerações”, resume. Por fim, ele faz uma provocação. “Quem irá liderar a inovação transformacional no Vale do Taquari? Sem a iniciativa privada das grandes empresas daqui vejo um antagonismo na essência do que move a inovação, o capital de risco, o apetite a tomar risco, executar, errar, corrigir rápido, agregar valor no longo prazo e mudar de patamar com a inovação transformacional.”

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Conservadorismo no Poder Público

A ex-vereadora Mariela Portz inovou no setor público. Diferentemente da maioria dos parlamentares brasileiros, cumpriu uma promessa de campanha e não concorreu à reeleição. Hoje, ela está à frente de uma startup incubada no hub de inovação Vibee Unimed. Após vivenciar “os dois lados da moeda”, analisa o tema como empreendedora e política. “Lajeado tem o tamanho e características adequados para fazer transformações. Muitas vezes isso não acontece no setor público porque a mentalidade das pessoas que estão em cargos de comando ainda é antiquada.”

Mariela cita alguns comportamentos. “São ações conservadoras, opiniões de que ‘não vai dar certo’, de que ‘não adianta tentar o novo’, de que ‘os funcionários públicos não vão colaborar’. E também falta coragem para mudar alguns detalhes. Criar horários de postos de saúde durante a noite, por exemplo. Mas não mudam ‘porque sempre foi assim.”

Por fim, alerta para a necessidade de investir em cursos na área da tecnologia. “Há uma tendência de mudança e temos um mercado consumidor de inovação. Estamos avançando”.

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